Intervenção do Presidente da Assembleia de Freguesia Manuel Guerra

Intervenção do Presidente da Assembleia de Freguesia Manuel Guerra

Exmo. Presidente e Vogais da Junta de Freguesia de Corroios,
Exmos. Eleitos da Assembleia de Freguesia de Corroios,
Exmos. Representantes de Organizações da Sociedade Civil,
Exma. População da Freguesia de Corroios,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Sejam bem-vindos à Assembleia de Freguesia de Corroios, nesta Sessão Solene Comemorativa do 44º Aniversário do 25 de Abril de 1974. Nesta Sessão Extraordinária, eleitos e população da Freguesia de Corroios celebram o Dia Primeiro da nossa Democracia, o Dia da Revolução!

Permitam-me que cumprimente todos os partidos com representação nesta Assembleia pela forma como acolheram esta ideia e que enderece uma palavra de especial agradecimento ao Presidente da Junta de Freguesia de Corroios, Eduardo Rosa, a todo o Executivo e Trabalhadores, pela dedicação com que abraçaram esta iniciativa, tornando-a possível. Bem hajam!

Exmos. Representantes Eleitos,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

O 25 de Abril de 1974 é uma das datas mais decisivas e marcantes dos mais de oito séculos de História de Portugal, da nossa Pátria. Entenda-se por Pátria o que Vasco Gonçalves, um dos obreiros de Abril, tão bem definiu nestas palavras:

A Pátria não é uma entidade abstracta, não é uma entidade mítica, mas é uma entidade concreta constituída por todo um povo de carne e osso, que vive dia a dia os seus problemas, que sofre e que tem alegrias; que constrói (...) na medida das suas possibilidades, o futuro. Essa é que é a Pátria. (...)

Para reafirmar os valores de Abril e enfrentarmos os desafios do presente e do futuro, é necessário atentar e não esquecer nunca o que está para trás, desde logo o que sucedeu durante a Ditadura, como é objectivo desta Sessão ao propor a projecção, já de seguida, do filme 48, de Susana Sousa Dias, longa-metragem que, através de fotografias dos arquivos da PIDE e das vozes que testemunham experiências terríveis de sofrimento e tortura, nos faz questionar o que pode uma imagem e um som dizer sobre realidade concreta.

Mas, tal como no filme que iremos ver, também no campo político e na vida é justamente essa a pertinência de recordar, não por mero acto de nostalgia ou saudosismo, mas sim como forma de pensar o nosso presente e o nosso futuro!

Naturalmente, homenagear todos os que durante 48 anos lutaram heroicamente contra a natureza criminosa da Ditadura, muitos dos quais sacrificando a própria vida em perseguições, prisões, torturas, condenações, assassinatos, sem poder assim conhecer o tempo da liberdade e dos direitos, é razão perfeitamente suficiente para recordar. Afinal de contas, estes homens e mulheres foram os primeiros a resistir e a construir, nas mais variadas frentes, a esperança para a tão desejada festa cantada por Chico Buarque. Foi bonita a festa, pá!

Homenagem justa seja feita também aos militares progressistas, «os capitães de Abril», que integraram o Movimento das Forças Armadas, acompanhados desde cedo por um levantamento popular, e que no dia 25 de Abril e no processo revolucionário que lhe sucedeu, na célebre aliança Povo-MFA, procuraram em conjunto concretizar a vontade de uma Democracia e de uma sociedade livre, justa e solidária.

No entanto, concretizar Abril, nomeadamente com o projecto consagrado na nossa Constituição, não é tarefa do passado, nem tarefa exclusiva da geração que o realizou e à qual prestamos a devida homenagem. Primeiro, porque, creio convictamente, as novas gerações têm a missão de continuar a projectar Abril. Depois, porque as portas que Abril abriu!, nas palavras de José Carlos Ary dos Santos, não dispensam que se continue a lutar diariamente.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

As conquistas de Abril, consagradas na nossa Constituição, são demasiado importantes e profundas para sucumbirmos à tentação do esquecimento ou da indiferença, nomeadamente considerando as vagas mais ou menos visíveis de enfraquecimento a que os respetivos direitos políticos, económicos, sociais e culturais sistematicamente estão sujeitos. Lembre-se bem:

- a libertação de Portugal da Ditadura e da opressão;
- o fim de treze anos de guerras coloniais onde foram sacrificadas famílias e gerações de jovens, uns pela via da Guerra, outros pela via da Emigração;
- o reconhecimento da independência dos povos submetidos ao colonialismo;
- o fim do isolamento internacional do País;
- a consagração dos direitos fundamentais dos cidadãos e dos princípios basilares da Democracia, traduzidos, entre outros, na legalização dos partidos, no respeito pelo pluralismo de opinião, no princípio do voto universal, no direito sindical, no direito à greve e na elaboração da legislação do trabalho.

Não menos importante foi o combate às discriminações a que mulheres e jovens estavam sujeitos, à subalimentação de grande parte da população, ao analfabetismo, ao obscurantismo e à degradação moral da sociedade. Mesmo que muitos pretendam recontar a História, há ainda outras conquistas que decorrem do período revolucionário que floriu em Abril, nomeadamente: a institucionalização do salário mínimo nacional, das reformas e das pensões mínimas, o direito à segurança social para largos sectores da população, o alargamento do direito a dias de férias, o subsídio de férias, o 13º mês, a licença por parto, a redução do horário de trabalho, a protecção no desemprego, o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos. Enfim, inúmeras transformações progressistas no ensino, na saúde, na cultura, no desporto, no ambiente, que representaram passos importantes no caminho por um Portugal melhor.

Entre os seus grandes méritos, a revolução de Abril foi também uma revolução na consciência dos portugueses, sendo factor de profundas mudanças nos comportamentos sociais e éticos, nas mentalidades.

Porém, das inúmeras conquistas, estou certo que compreenderão que me concentre e detenha esta noite numa delas: a consagração de um efectivo Poder Local Democrático. Lembre-se, a este propósito, o artigo 235.º da Constituição da República Portuguesa:

1. A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.; 2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.

Talvez importe recordar que as Juntas de Freguesia e as Câmaras Municipais da Ditadura nada tinham que ver com as tradições ancestrais do municipalismo português. Na verdade, estes órgãos eram controlados por um monstruoso e sombrio aparelho de Estado que nomeava os governadores civis, que por sua vez designavam os presidentes de câmara que, por sua vez, escolhiam os presidentes de junta. Pelo meio havia ainda as figuras do administrador do concelho, mais tarde vice-presidente de câmara, e do regedor, cuja missão era também de vigilância. Recorde-se que o próprio Presidente de Câmara estava obrigado, por lei, a prestar informações à PIDE.

Ora, como se torna evidente, a função essencial das câmaras e das juntas era manter o status quo, a repressão, satisfazendo funções policiais. A interdependência e complementaridade dos órgãos de soberania previstas por Abril, eram, durante a Ditadura, substituídas pelo controlo. Lembro a este propósito, os versos de Sérgio Godinho:

O fascismo é uma minhoca (não é? lá isso é) / que se infiltra na maçã (não é? lá isso é) / ou vem com botas cardadas / ou com pezinhos de lã!

Escusado será também aprofundar — e saberão muitos dos presentes expressá-lo melhor do que eu —, que os presidentes eram, muitas vezes, o rosto mais visível do fascismo, razão pela qual muitas vezes eram também apelidados de “bufos”!

Em sentido inverso, a forma como as populações, após a Revolução de 25 de Abril, destituíram o poder apodrecido, elegendo comissões em assembleias populares, muitas vezes realizadas em colectividades e clubes onde já antes se desenvolvera a oposição democrática, e assim procuraram satisfazer necessidades básicas das populações — como lavadouros públicos, abastecimento de água, electrificação, etc. — é e continuará a ser uma referência dos primeiros anos do novo Poder Local, que dia após dia promovia e potenciava a participação dos cidadãos na tomada de decisões.

Senhoras e Senhores,

As Freguesias, quer através da Assembleia de Freguesia, órgão deliberativo, quer através das Juntas de Freguesia, órgão executivo, são a primeira porta para ouvir e acolher as justas aspirações das populações.

Ora, ontem, hoje e amanhã, deveremos estar sempre muito atentos a todo o tipo de medidas que procurem minimizar a força e a autonomia do Poder Local, com destaque para as Freguesias e o seu alcance. Afinal, todas as formas directas e indirectas de transformar as Freguesias em sucursais de um qualquer Órgão de Soberania são uma maneira de enfraquecer a participação cívica e, portanto, a soberania nacional.

Neste sentido, não podemos aceitar que a liquidação das freguesias, mesmo contra a vontade maioritária das populações, perdure, nomeadamente no nosso Concelho!

Também devemos estar vigilantes face à tão aclamada “transferência de competências” para as autarquias locais, sobretudo considerando a trajectória nesta matéria de desresponsabilização do Estado e desestruturação de funções sociais constitucionalmente consagradas. Afinal de contas, e como todos sabemos, sucessivas medidas têm pretendido transferir para as autarquias apenas os encargos, sem as devidas contrapartidas, sacudindo para cima do Poder Local a justa insatisfação da população pela ausência de respostas.

Para uma verdadeira descentralização, tal como está previsto na Constituição, é necessário bem mais do que a falácia e o logro do processo de transferência de competências! Além disso, como pode isso ser feito tendo por base acordos ou apertos de mão, mais ou menos televisionados, que excluem a participação de todos os democratas, nomeadamente os que, desde Abril, têm contribuído fortemente para o desenvolvimento do País? Como se não bastasse, a transformação parece ser novamente adiada a pretexto de infindáveis estudos e mais estudos! Haja compromisso e vontade!

O nosso País e as suas diferentes regiões têm enormes potencialidades e recursos naturais que podem e devem ser aproveitados para a valorização da produção nacional, do desenvolvimento do aparelho produtivo, da criação de emprego e da melhoria das condições de vida das pessoas.

O Poder Local Democrático, através do papel relevante das Freguesias e dos Municípios, e dos homens e mulheres que o constituem, já provou ser garante de uma real melhoria da qualidade de vida das populações.

É, por isso, nossa obrigação política e ética, se é que estes dois campos podem ser separados, continuar a zelar pela defesa do Poder Local Democrático. Urge por isso, continuar Abril e trabalharmos todos por uma efectiva democracia política, económica, social e cultural.

Só assim será possível viver num Portugal desenvolvido e melhorar a resposta aos anseios daquele que mais ordena ...o Povo!

Viva o 25 de Abril!
Viva o Poder Local!
Viva Corroios!